sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

SEIS FACES DE UM FAUNO

Diante dessa imagem fugidia, não importa se sonhada ou real, o fauno deseja:

1.
Construir sobre o vidro
uma torre incoerente de objetos empilhados
sabendo que amanhã ou depois tudo desabará.

2.
Deixar-se queimar.
Por que nada desaba
e o amor nasce como magma
para tornar-se rocha ígnea depois da erupção
(cicatrizes que a pele da paisagem ostenta como insígnias).

3.
Lutar contra a linguagem
para que, entre o silêncio e o gaguejar,
ela traduza o espasmo do gozo
o desejo sem falta
o cinema inventado no nervo óptico
tudo o que não foi feito para ser dito
que está no fundo do corpo
(mais animal que o animal)
e em algum lugar imaginado
(mais alado que a razão).

4.
Amassar o ar
Abraçar a água
Agarrar o fogo

Só a solidez da terra é impalpável.
As ninfas fluem:
Não há perpetuá-las
Nem fixar sua forma.

(Ah, se os dentes alcançassem o coração viçoso!
Se os pés de bode pisassem a secreta ilha
Cujo solo úmido nutre essas frutas altas que as garras não alcançam!
Não babaria a avena solitária).

5.
Cultivar a obsessão
Fabricar e acumular um museu de objetos inúteis
(Fios de cabelo, retratos, desenhos, sons, gotas d'água, folhas de mangueira, esse poema)

6.
Cair nas armadilhas da natureza:
ser híbrido é ser vítima do excesso.
Cravar as unhas no inevitável-impossível
Até sangrar

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