segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

DELEUZE E GUATTARI: "O ANTI-ÉDIPO" (fragmento)

Os revolucionários, os artistas e os videntes se contentam em ser objetivos, tão somente objetivos: sabem que o desejo abraça a vida com uma potência produtora e a reproduz de uma maneira tanto mais intensa quanto menos necessidade ele tem. Pior para aqueles que acreditam que isso é fácil de dizer, ou que é uma ideia livresca. “Das poucas leituras que tinha feito, tirei a conclusão de que os homens que mais mergulhavam na vida, que se moldavam a ela, que eram a própria vida, comiam pouco, dormiam pouco, possuíam poucos bens, se é que os tinham. Não mantinham ilusões em matéria de dever, de procriação voltada aos limitados fins da perpetuação da família ou da defesa do Estado… O mundo dos fantasmas é aquele que ainda não acabamos de conquistar. É um mundo do passado, não do futuro. Caminhar agarrado ao passado é arrastar consigo os grilhões do condenado.” [Henry Miller, Sexus]. O vivente vidente é Espinosa vestido com a roupa do revolucionário napolitano. Sabemos bem donde vem a falta – e o seu correlato subjetivo, o fantasma. A falta é arrumada, organizada, na produção social. É contraproduzida pela instância de antiprodução que se assenta sobre as forças produtivas e se apropria delas. Ela nunca é primeira: a produção nunca é organizada em função de uma falta anterior; a falta é que vem alojar-se, vacuolizar-se, propagar-se de acordo com a organização de uma produção prévia. É arte de uma classe dominante essa prática do vazio como economia de mercado: organizar a falta na abundância de produção, descarregar todo o desejo no grande medo de se ter falta, fazê-lo depender do objeto de uma produção real que se supõe exterior ao desejo (as exigências da racionalidade), enquanto a produção do desejo é vinculada ao fantasma (nada além do fantasma).

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