Mas há as coisas que me irritam. Duas em particular: a existência metafísica-social e a sensação de que estou perdendo um tempo que eu poderia gastar trabalhando (em arte). Essas duas coisas bastam pra me fazer chorar, gritar, sair correndo até não ter energias. Talvez elas sejam a coisa mais fútil possível, mas para mim todo o resto é que é fútil — especialmente o momento: eu não vivo no momento, vivo numa lenta construção da minha obra, o que também é bem diferente de viver no passado ou no futuro: esse é o significado de colher o dia, para mim, que expressei uma vez num poema:
Colher o dia
É o próprio ato de
—
Enquanto se planta o dia,
Enquanto germina o dia,
Enquanto se espera
Que o dia brote
—
Colher o dia.
Quero dizer: gozar enquanto se constrói.
***
Me impressiona nos livros e filmes a ideia de que uma pessoa influencia outra a tal ponto que todas as opiniões da segunda provenham da primeira. Quer dizer, me impressiona que o poder numa relação seja importante e tema de tantas obras. Que me importa se a minha mãe influencia minhas decisões? Se o pai de Kafka não deixou que ele se casasse? Se um homem influencia a esposa para que ela adote determinado comportamento para com o filho rebelde? Todo esse jogo de influenciar e ser influenciado me é completamente alheio, nunca o senti em minha vida, talvez por que eu esteja sempre sendo o influenciado. Mas não me importa — na arte eu sou livre e ninguém mete o bedelho.