domingo, 8 de agosto de 2010

O suicídio

Esse é um conto que escrevi há alguns anos atrás. Ele prova que eu nunca tive muito talento pra escrita. Especialmente pra contos. Na época, eu desenvolvia a idéia de que cada ato nosso é como um suicídio: estamos sempre suicidando o nosso presente em função do futuro ou do passado. Sempre fugindo. Sempre bêbados. Como nos ensina Baudelaire: com poesia, virtude, vinho, a escolher. Ironicamente, no meu humilde conto, o suicídio da personagem é o momento em que ela vive o presente, em que ela colhe o dia.É por isso que todos os dias planejo um suicídio, que é pra viver como se fosse o último. 

*      *      *
O suicídio

Ela optou pelos pulsos. Cortar os pulsos era a maneira mais adequada de cometer suicídio. Ela não gostava de chamar a atenção, portanto logo descartou a possibilidade de pular do viaduto ou deitar-se na linha de trem . Isso seria certamente um prazer perverso para os jornais. Os jornais também poderiam fazer o mesmo se ela cortasse os pulsos. Mas talvez não. Talvez ela entrasse na frente de um carro no meio da avenida Afonso Pena e pouquíssimas pessoas ficassem sabendo que uma jovem morreu atropelada.


Remédios nunca foram interessantes. Seria como uma morte artificial, sem sofrimento, sem sangue. Ela imaginava com excitação e medo: o seu sangue escuro e viscoso- e viçoso - manchando o lençol branco e penetrando no colchão; escorrendo no chão até passar por baixo da porta. Todas as pessoas têm um gosto mais acentuado por cenas sangrentas. Às vezes elas parecem mais realistas e às vezes são exatamente como um suicídio: uma saída. Ela fazia essas constatações, livrando-se da idéia de estar errando ou pecando. Todos já cometeram suicídio. Ela não seria diferente. E continuava sua meditação, delirando mas completamente lúcida. Certa do que faria. Delirando. Devaneando: enquanto o sangue manchava as coisas, sua pele pálida se tornaria fria e mais pálida e ela tombaria na cama onde sentava-se com as pernas cruzadas em cima do colchão. Seu cabelo preto e comprido se espalharia por baixo do corpo sobre o lençol tingido de vermelho, contrastando harmonicamente com o branco que restaria da sua roupa e do lençol. Sua mão se estenderia, clemente, para fora da cama, pingando o sangue que restasse em seu corpo.

Ela só seria encontrada no dia seguinte, pela empregada da família que estranharia seu atraso para ir para a escola. Ainda estaria bonita.

Aquele momento fantástico que a cada instante se tornava um outro momento mais próximo do instante derradeiro, era silencioso. Ela pegou o canivete que tinha furtado de seu pai e riscou lentamente o seu pulso macio. Primeiro, o esquerdo e, logo após, o direito. O sangue saiu languidamente de seu corpo. O sangue jorrou com calma e beleza. O sangue escorreu, delicado. Ela se deitou fielmente como tinha imaginado. E emudeceu.

3 comentários: