1.
Para nosso protagonista, a música é uma arte incompleta.
Talvez por que ele próprio se considere um músico incompleto, senão inapto para a profissão que escolheu.
É um tipo oblíquo, perturbado pela existência e abatido pela pobreza, inclinado à mendicância e ao ascetismo. Sempre prestes à desistir...
Talvez por que ele próprio se considere um músico incompleto, senão inapto para a profissão que escolheu.
É um tipo oblíquo, perturbado pela existência e abatido pela pobreza, inclinado à mendicância e ao ascetismo. Sempre prestes à desistir...
Dois fatores, intimamente relacionados, concorreram na construção de seu débil caráter: a cidade onde mora e o nojo que sente. A cidade, por motivos óbvios - estamos falando de Belo Horizonte. O nojo, por ser a primeira causa ou primeira consequência de se perceber isolado do mundo - é dele que derivam sua má alimentação, seus conflitos eróticos, sua questão com a existência e sua incompetência em lidar com tudo o que é vivo, inclusive com a grande flora intestinal que é a cidade.
Não quero mais tomar o tempo de vocês. Gostaria apenas de contar um acontecimento na vida de nosso herói: na época em que ele morava numa república de estudantes, sempre se deparava, no banheiro, com mechas de cabelo espalhadas pelo chão, provavelmente de alguma das moradoras da casa. Uma vez ele viu um inseto asqueroso escondido entre as mechas e teve a impressão de que ele nascera dos cabelos da mulher.
2.
Eu acordo com o ruído de serras, martelos e furadeiras porque moro ao lado de uma permanente construção. Mas ainda é cedo e tento dormir mais um pouco. No entanto, o ruído irrompe mais uma vez e ainda outra. Então me levanto. Às oito eu pego um ônibus, um metrô e outro ônibus. Ao longo de uma hora e meia de trajeto, ouço o barulho de motores, sirenes, buzinas, conversas, sinais, britadeiras. Finalmente chego à escola e sou submetido a maçantes horas de estudo repetitivo, incerto da sua utilidade. Na hora do almoço, em pleno bandejão, surgem insetos, lacraias, dos cabelos das pessoas, de forma mais abundante nas mulheres, provocando o estardalhaço geral. Os insetos roem as máquinas, os tijolos, o cimento e os humanos, depois secretam um fluido branco e pegajoso que ebule como polenta no fogo. Desse fluido nasce uma gigante e grotesca Vênus:
Morena de mulher, cabelos emplastados,
Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa,
Com déficits que estão a custo retocados.
Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas
Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce;
Depois a redondez do lombo é que aparece;
A banha sob a carne espraia em placas chatas;
A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar
Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar
Pormenores que são de examinar-se à lupa...
Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus;
-- E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa
Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus."
Nenhum comentário:
Postar um comentário