Se se deparar com o absurdo da vida
Durma
Coberto até a cabeça
(repita o gesto infantil, pois nada mais se é diante desta máquina do que criança medrosa)
Por que a vida não faz sentido algum.
É um monstro absurdo escondido debaixo da cama.
É o absurdo.
A vida fede.
Só a morte é limpa.
O que fede num corpo morto? — não é a morte
é a vida que passa a pulsar.
Milhões de bactérias, fungos, vermes
se multiplicando, vivendo, pulsando, fermentando
vivendo — a vida fede — no corpo morto.
Você come, excreta, secreta, sangra, baba, lacrimeja.
Você gesticula, geme, corre, se agacha com medo.
Eu não quero nada.
Não quero ser nada, não posso ser nada, não posso querer ser nada
Sequer a ação me é concedida.
É agir repetir maquinalmente os mesmos atos dia após dia
ou atos diferentes, que seja, como se fossem novos
e disso extrair apenas um vazio, um peso
uma enorme pedra despencando do desfiladeiro
a pedra que suporta em suas costas.
Sísifo e Atlas ao mesmo tempo
com um ombro quer suportar o mundo
— as guerras dos homens, a ignorância dos homens, o poder dos homens, o saber que é também um homem —
e com o outro quer suportar a vida
e sua face desfigurada.
As televisões zunem diante da multidão nua
garrafa creme dental violão luz carro máquina ávida casa lata arte kitsch em cima erudito lápis mictórios out-door tela cor favela escritório informática assim tinta zoom zzzum zás rrrrrrrrrrrrrrrrr eterno!
massacrando olhos cabeças imagens intermináveis
Um homem atravessa a rua sozinho na noite de Belo Horizonte
Sente os odores das fezes dos mendigos da gente toda da urina dos mictórios
Os carros passam e ele busca ali qualquer coisa que justifique a vida
Sem encontrar
E no entanto ele vive.
O catolicismo é a religião da morte - ele pensa.
Ela que não aceita a vida nem aceita o suicídio.
O que impede que a vida faça sentido mas impede que a morte seja apressada?
Nesse momento ele se sente profundamente católico.
Farto de toda metafísica
Ele se senta na porta do bar e fuma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário