segunda-feira, 27 de junho de 2011

Nota Solta

O homem contemporâneo tem dois grandes defeitos: o de pensar que nunca será nada e o de querer ser tudo. Somos, desde cedo, educados de maneira a nos tornarmos pessoas extremamente ambiciosas e no entanto, extremamente céticas em relação ao próprio potencial. A publicidade, a televisão, tudo nos induz a uma mania de grandeza tamanha, que acabamos nos enxergando menores do que realmente somos diante das enormes construções da sociedade de consumo. Ou se é gingante ou se é minúsculo. Não há espaço para um meio-termo. E se não há um tamanho intermediário, não há o processo de crescimento. A única possibilidade de um ser minúsculo se tornar gigante é alguma poção mágica o faça crescer instantaneamente, a exemplo dos repentinos sucessos musicais consumidos pela massa. (Outro defeito do homem contemporâneo: o imediatismo). Nem mesmo se vislumbra a possibilidade de uma criatura minúscula crescer aos poucos até atingir o tamanho ideal — e diga-se de passagem, o tamanho ideal não é ser gigante.

Saber

Querer saber
Saber o quê?
E pra quê?
Viver pra entender
Entender o quê?
E pra quê?
Tenho que saber pra viver?
Ou viver pra entender?
Entender o viver ou o quê?
O que viver, pra quê?
O que entender, pra saber?
Viver pra querer saber
Saber o quê?

sábado, 18 de junho de 2011

Galinhas

Certa vez, aconteceu numa roça do interior um fenômeno surpreendente: o chão começou a desabar e cair no infinito que se abria sob a terra. As pessoas, os porcos, as vacas e os bois, todos começaram a correr para se salvar. As galinhas, no entanto, como tinham pernas muito pequenas, não conseguiam alcançar a terra firme ao redor do buraco. Foi então que elas começaram a voar e nunca mais pisaram no chão.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Nota Solta

           Frequentemente ouço comentários negativos em relação à arte contemporânea. Diz-se que a arte conceitual, pelo menos em sua maior parcela, é nula, apenas idéias excêntricas de artistas excêntricos e quase sempre sem técnica. Devo concordar que nem sempre são idéias inteligíveis ou inteligentes e que talvez a maior parte dessa produção seja completamente descartável. Porém não concordo em dizer que é uma arte sem valor. Na verdade — era aqui que eu queria chegar — acredito que nenhuma obra de arte deveria ser valorizada, ou seja encarada como um produto. E infelizmente é isso o que acontece, tanto que se tem um fecundo mercado de arte no mundo.
          Imagino que o que causa a indignação de certas pessoas com a arte conceitual é justamente o fato dela ser vendida às vezes por preços absurdos sem ter havido (aparentemente) qualquer trabalho para ser realizada. E nesse sentido eu concordo com essas pessoas. Mas também acho que obras antigas e consagradas não deveriam ser vendidas por preços igualmente absurdos. A obra de arte é algo que se faz por necessidade, assim como se faz filosofia ou se pratica um esporte. E assim como o jogador de xadrez, é algo que queremos fazer bem, queremos fazer melhor que o outro, mas nos divertimos igualmente mesmo levando o mate. E embora haja atletas profissionais, nada impede que qualquer um pratique qualquer esporte. Da mesma maneira, nada impede que qualquer um faça arte. Mas no caso da arte há um problema: com os preceitos técnicos abolidos, a obra de um leigo pode ser tão boa quanto a de um artista profissional (aliás, o próprio conceito de uma obra boa ou ruim se torna muito confuso). Qual então o sentido de se dar valor a uma obra? E se não se pode dar valor, como pode haver um mercado de arte? O mercado de arte deveria ser abolido. Ou pelo menos eu, como indivíduo, passo a ignorá-lo. Tanto em música, quanto em pintura, quanto em literatura ou cinema. 
          Não desvalorizo a arte feita com o intuito de entreter ou passar algum conteúdo, como no caso da Ilustração, que precisa ser clara em sua mensagem. Tampouco desvalorizo os artistas que se ocupam em reproduzir (e de certa forma, atualizar) as expressões artísticas de outras épocas, como os músicos de orquestras, que precisam de ter uma vasta técnica e muitas vezes são igualmente bons com as novas linguagens. No entanto, prefiro chamá-los de artesãos, uma vez que trabalham com algo exterior à sua subjetividade.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Tipos 2 - O ator

Ora pois, chorei. Sim, chorei. É engraçado, não? Um homem maduro estar a lavar pratos em seu apartamento e, de repente se pôr a chorar. Outro até se envergonharia. Como pode ser que? Mas, ora, para mim não consiste em vergonha alguma. Não sou desses puristas. Com efeito, detesto essa gente, capazes de se dizerem defensores da moral, mas completamente imorais quando se trata de espancar um gay. A sociedade é algo que às vezes me cansa.

Sim, a sociedade me satura. Por que é que eu sou obrigado a conviver? O que eu quero agora é apenas me sentar em meu quarto e jogar o videogame que tem preenchido meus dias, enquanto mamãe assiste alguma série americana na TV. O que acontece lá fora não me interessa. O noticiário, todos os dias, anuncia uma tragédia em algum lugar, uma grande vitória em outro. Nada disso me interessa. Não pense que sou egoísta. Mas pense: toda a infelicidade de uma pessoa é consequência de se importar com o outro. De se importar, tanto negativa, quanto positivamente: podemos ser infelizes por empatia ou por inveja, mas sempre seremos infelizes quando importarmo-nos com os outros. O inferno são os outros.  Confesso que nunca li Sartre. Mas suponho poder entendê-lo.

A minha situação é vergonhosa, eu sei. Desempregado, vivendo às custas da aposentadoria da mãe, que não é grande coisa. Mas nunca mais voltarei para o teatro. Sempre, antes de dormir, digo a mim mesmo que amanhã vou fazer algo a respeito e no entanto, quando acordo, me mantenho inerte. Pode parecer uma justificativa sem fundamento, mas não acredito que seja  a preguiça ou mesmo algo como uma depressão o que me impeça. Poderão dizer que não tenho vergonha, que sou um vagabundo. O que acho, porém, é que há homens que não deveriam trabalhar. Que deveriam se isolar da sociedade. Há algo no homem superior que o inibe à ação e ao convívio. Não me creio um homem intelectualmente superior, mas sim moralmente. É certo que homens de grande intelecto são moralmente superiores, mas não necessariamente toda moral superior vem de um intelecto privilegiado. Por exemplo, a própria evolução da civilização não representa um grande avanço no intelecto do ser humano, mas na sua moral sim. Mas divaguei. Estava dizendo que há, nesse homem de moral superior, algo que o impede de agir. Como uma aguda consciência das possibilidades de resultados contidas em cada ato e, dessa consciência, o escrúpulo de... Não, não me faço claro o suficiente. O que quero dizer é que todo ato é, para o homem superior, algo como deixar a segurança da solidão.

Pois bem, ontem chorei lavando pratos.