sexta-feira, 30 de agosto de 2019

EXÍLIA

Um dia eu vou pra rua
— calada e desarmada —
e multidão nenhuma,
nenhuma amargura,
virá na madrugada.

Num pijama irreal
e com o corpo rasura-
do — mas nenhum sinal
de dor ou atadura —
um dia eu vou pra rua.

Um dia eu vou pra rua
perfeita travesti.
Plástico barro espuma
vapor lâmina triz.
Um dia eu vou pra rua
perfeita travesti.
Noite da noite escura
Vou me despir.

Um reino não se funda
no seio de outro reino.
Um dia eu vou pra rua
e assentar o exílio
em meu próprio seio.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

LOTÓFAGO

"No dezeno aos Lotófagos arribo,
Que apascenta uma planta e flor cheirosa.
Jantamos, feita aguada; envio arauto
Com mais dous a inquirir de pão que gente
Lá se nutria. Aos três em nada ofendem,
Mas lhes ofertam loto; o mel provando,
Os nossos o recado e a pátria esquecem,
Querem permanecer para o gostarem."



Olor
Florolor
Lotoperfumegante
Perfragânsia
Penetrável-penetrante


Fermentúmido
Açúcar nutrifauna ancestral

Madura viçofruta
Ó dulcifagofuga em que me lanço
(Mon rêve s'aboucha souvent à sa ventouse)

Caldo cálido que secreta
(segredo)
sobre a calipétala rósea
gota de orvalho 
melíflua

LOBEIRA


O mênstruo da lua cheia
Tingia o branco dos lençóis no varal
E o manto da madrugada

O nada varava o espelho
Seios pendiam verdes sóis argentos entre os ramos da lobeira

O vento assobiava anunciando a voz do encoberto
Cantou a alma-de-gato, a cerração cegava mas eu vi

O mênstruo da lua cheia...

O ar prenhe de açúcar nauseava quem sentisse o cheiro
Da pétala de vulva, e feito uma saúva um vulto eu vi

Eu vi o matuto
Provar um fruto
Adrede virar
Lobisomem-guará

Ouvi no escuro
Um latido ou uivo
Um grito
E o bicho me olhou
O bicho...

O monstro, a lua cheia
No canavial, na capoeira
Sem rastro