terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A BERINGELA - IBN SÂRA

A BERINGELA

redonda forma
agradável gosto.
da água fresca dos jardins
lhe vem o mosto.

cingida a carapaça
ao pé, que a nutre,
é coração rubro de cordeiro
prisioneiro das garras de um abutre.

*** 

os viajantes da noite murmuram o teu nome
e as areias do deserto derramam sobre quem te pisa
o perfume do almíscar.
e da formosura da invocação sabemos da beleza do invocado
como pelo verdor das margens se pressente o rio.

***
UM AMOR CASTO

quantas vezes a amada me veio ver!
negra era a noite como o seu cabelo.
junto a mim ficou até ao romper da alva
refulgente como o seu rosto claro.

ficou à minha mesa.
e nosso puro amor
fez-nos companhia.

o vinho turbava a minha alma
tal como as pupilas dos seus olhos.
mas permaneci casto,
homem senhor da sua força:
só tem virtude verdadeira
quem a si se vence no vigor.

***
honram, por ignorância, o mundo
os homens nesta desprezível vida:
por ele lutam como cães que a fundo
se atiram sobre caça ferida.

DOIS POEMAS DE IBN AS-SÎD

vive para sempre o homem de saber
ainda quando, após a morte,
na terra, em pó seu corpo se volver...
o néscio, esse, é sempre um morto
que mesmo se segue caminhando
muito embora aparentando vida
não passa de corpo vegetando.

***

é um cavalo negro
da raça dos puros garanhões.
a noite é a sua veste.
a aurora pôs marcas brancas
em seus cascos.

atónita da sua beleza
a água gelou-lhe sobre o pêlo:
não fora o ardor do seu galope,
e não teria escorrido.

o crescente que marca o fim do jejum
lhe brilha no semblante
quando os olhos se reviram de desejo;
dir-se-ia que tempestades o arrastam
quando o peitoral e a garupa
se mostram banhados de suor.

POEMA DE IBN AL-MURAHHAL

um áspero deserto me encerra o peito
e nele sou pena e palpitar.
sob a veste da noite por mim arde, brasa
e luz, formosa a túnica do amanhecer.
dou-me às trevas: cálido vento
entre pestanas de nuvens passando.
a noite, grandes e negras pupilas,
cerra-me os olhos docemente
e sorri-me a aurora com soberbos dentes.

UM POEMA DE IBN MUQÂNÂ

ó homem de Alcabideche
que não te faltem sementes.
que o labor do teu moinho,
cuja vela o vento mexe,
possa ter o remoinho
que dispensa as correntes.
em ano bom só terás
não mais que vinte medidas
pois que as restantes verás
pelos javalis comidas.
é terra de pouca valia,
como eu próprio, agora surdo.
deixei corte luzidia,
mais o seu luxo absurdo.
em Alcabideche estou
no campo silvas cortando
com a podoa trabalhando.
se alguém te perguntar
se do teu trabalho gostas
tu responde-lhe que sim:
quem ama ser livre assim
de bom carácter dá mostras.
bastam-me só o amor
e dádivas que recolhi
deixei tudo sem rancor
e em tempo de primavera
a este chão me acolhi.