1. Uma comunidade de novos valores epistêmicos: alta tecnologia a partir de técnicas artesanais e tradicionais, criatividade livre de amarras econômicas.
2. Quanto à utilidade, o conhecimento pode ser dividido em duas esferas: uma voltada à eficiência, à construção de ferramentas ou de conforto (que chamarei de técnica); outra voltada à geração de percepções, informação, experiências (que chamarei de episteme). Uma voltada ao útil e outra ao inteligível.
É claro que há uma relação complexa entre estas esferas: frequentemente a pura informação acaba ganhando valor no desenvolvimento de produtos. Ou a criação de ferramentas leva à aquisição de "conhecimento puro" (como a mecânica quântica, que parece ainda não ter muitas utilidades fora da física).
Como, nesta comunidade, este dois tipos de saber se articulam?
3. Esta comunidade não quer renegar os progressos científicos e tecnológicos nem as heranças artísticas e filosóficas conhecidos no século XXI. Mas acha necessário ir por outro caminho. Por ser um caminho difícil e independente, técnica e episteme devem se ligar intimamente visando à manutenção desta comunidade (o mundo capitalista continua sua vida predatória ao redor, e se ela não resistir será logo engolida). Nada deve ser criado apenas pela utilidade - pois o útil, em sua necessidade de eficiência, tende à destruição da comunidade, à incompreensão da complexidade da natureza, ao lucro. Tampouco, dada a pobreza desta comunidade, será possível criar algo apenas para a intelecção - cada conhecimento deverá proporcionar uma melhora também material à comunidade, embora seja importante não se restringir ao material. Este é o conhecimento artesanal.
4. Esta comunidade não possui acesso à maioria das ferramentas de produção de conhecimento mais refinadas do século XXI: nem laboratórios, nem máquinas industriais, nem grande quantidade de energia... A herança da sociedade industrial vem, portanto, principalmente na forma de conhecimento acumulado - não apenas o conhecimento capitalista, mas todo o conhecimento acessível das comunidades que têm resistido a ele. Este conhecimento amplo, portanto, terá que ser trabalhado com ferramentas mais ou menos rudimentares. É preciso pensar qual o nível de conhecimento mais adequado para certo empreendimento técnico-epistêmico e qual ferramenta trabalhará melhor com ele - e, dependendo deste equilíbrio é possível mesmo recorrer às ferramentas vendidas na sociedade capitalista, pelo menos num primeiro momento. A mais óbvia destas ferramentas é a internet.
5. Imaginemos, por exemplo, que nesta comunidade é preciso desenvolver um remédio de fabricação relativamente simples. Primeiro será preciso encontrar a matéria-prima para o remédio. Um especialista saberá que ela vem de determinada planta. Se a planta in natura resolve o problema, já temos o remédio. Mas suponhamos que seja preciso separar apenas a substância ativa da planta, para evitar a ingestão de substâncias tóxicas. Será preciso pensar: com que grau de pureza quer-se esta substância e com que eficácia podemos verificar esta pureza? E a partir daí pensar qual será a ferramenta adequada: um destilador caseiro pode ser suficiente se se trata de uma substância fácil de se obter, mas talvez seja preciso algo mais refinado - e este grau de refinamento por sua vez pode ser o de algo manufaturado na própria comunidade ou de algo comprado no mundo capitalista. É claro que algo comprado vai ser sempre mais eficiente. Daí a necessidade de que a técnica deste especialista gere também uma episteme em outro nível - o desenvolvimento do seu remédio precisa ter outra consequência para além de seu efeito farmacológico.
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