sábado, 8 de setembro de 2012

O rato

O senhor pode rir, mas é a pura verdade o que eu te conto. 
Eu ontem estava passando pela Guaicurus, dez da noite, entrei num boteco pra ver se tinha fogo e quando saí a rua estava completamente vazia. Não tinha nem os moleques com seus pós e cigarros, nem os mendigos, nem os carros estacionados, nem os camaradas saindo do Brilhante. Estava completamente deserta. Até o boteco fechou. 
Eu fui andando com o cigarro aceso, as luzes das janelas todas apagadas. Só os postes iluminavam a rua. Se o senhor não acredita nem nisso, veja o que aconteceu logo em seguida: um rato apareceu na minha frente. Sim, um rato. 
— Tem fogo aí? — ele perguntou.
O que eu fiz? Acendi o cigarro dele. E então ele começou a falar, me tratando por igual. Fomos caminhando pela rua e ele ia me contando uns casos que lhe aconteceram. Contou-me sobre sua perícia em roubar comida, sobre o filho que morreu envenenado. Olhou com emoção e fez um gesto de consideração quando viu um companheiro esmagado, apenas com o rabo ainda inteiro, no chão. Em certo momento, explicando uma teoria, ele me perguntou:
— O que você tem de diferente de um rato?
         Me senti ofendido com a pergunta e respondi quase irritado: “tudo”. 
         — Os ratos na verdade não existem — disse ele com uma expressão sugestiva.
         Eu fiquei em silêncio, esperando a explicação.
         — Ratos não têm nome. Ninguém chama por um rato. Vocês nos matam, mas depois reaparecemos como se fôssemos sempre os mesmos ratos. Ninguém nos conhece o rosto. Vocês nos esmagam, nos envenenam e quando surgem novos é como se não houvesse diferença alguma entre o corpo esmagado e o corpo vivo que tenta fugir.
         Depois de uma curta pausa, continuou:
         — Afinal, se você existe ou não, consiste num fato? Quer dizer, existem tantos como você que não faz diferença se o seu corpo está esmagado ou inteiro, é sempre como o mesmo corpo que você é visto. Você é um pouco menos que um número... Você faz parte de um número, mas se você não existisse, o número ainda existiria.
         Quando dei por mim estavam tentando me esmagar com vassouras e então eu entrei no esgoto para fugir. 

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