No hálito da cidade
A vida segue como um motor tirânico
Paredes fachadas janelas portas
Suas unhas e cílios
A paisagem cinzenta dos olhos faz doer a pele
Um homem estranho atravessa a rua com sua mochila visivelmente pesada
E é como se sua condição fizesse transparecer nele pensamentos com
[qualquer coisa de não-humana
Se um dia eu virar doido
Deito na beira do ribeirão Arrudas
Pra Mãe d'Água vir me beijar
(Se um dia eu virar doido, meu bem,
não chores)
Mundo mundo mundo
— Vasto e completamente alheio à sua chaga.
Um emaranhado de cabeças
Ruidosamente se movimenta
E você busca um lugar qualquer.
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
terça-feira, 25 de setembro de 2012
O Sandro
O Sandro se sentava na beira da quadra e ficava vendo o futebol no recreio. Sozinho. Chegava ali e ficava parado durante vinte minutos. O Sandro nunca ganhava as partidas de xadrez nas aulas de educação física. O Sandro gostava de desenhar mapas. Eu nunca vi. Ele é que me falou. Eu sempre quis saber o que se passava na cabeça do Sandro, mas não tinha coragem de ir falar com ele. Passava pela quadra na hora do recreio e o via lá, mas nunca ia até lá falar. Até que um dia algo me colocou de frente com o Sandro e então nos falamos. Foi então que ele me disse que desenhava mapas. Fora isso o Sandro me decepcionou. Imaginei que fosse um espírito solitário com idéias profundas, mas era só um cara normal. Provavelmente nunca pensara em suicídio.
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Epigrama
Queria ser abstrato
Um corpo feito de palavras
Gesto e ideia na mesma carne
(Ser a melodia a dança em si mesma)
Um corpo feito de palavras
Gesto e ideia na mesma carne
(Ser a melodia a dança em si mesma)
sábado, 8 de setembro de 2012
O rato
O senhor pode rir, mas é a pura verdade o que eu te conto.
Eu ontem estava passando pela Guaicurus, dez da noite, entrei num boteco pra ver se tinha fogo e quando saí a rua estava completamente vazia. Não tinha nem os moleques com seus pós e cigarros, nem os mendigos, nem os carros estacionados, nem os camaradas saindo do Brilhante. Estava completamente deserta. Até o boteco fechou.
Eu fui andando com o cigarro aceso, as luzes das janelas todas apagadas. Só os postes iluminavam a rua. Se o senhor não acredita nem nisso, veja o que aconteceu logo em seguida: um rato apareceu na minha frente. Sim, um rato.
— Tem fogo aí? — ele perguntou.
O que eu fiz? Acendi o cigarro dele. E então ele começou a falar, me tratando por igual. Fomos caminhando pela rua e ele ia me contando uns casos que lhe aconteceram. Contou-me sobre sua perícia em roubar comida, sobre o filho que morreu envenenado. Olhou com emoção e fez um gesto de consideração quando viu um companheiro esmagado, apenas com o rabo ainda inteiro, no chão. Em certo momento, explicando uma teoria, ele me perguntou:
— O que você tem de diferente de um rato?
Me senti ofendido com a pergunta e respondi quase irritado: “tudo”.
— Os ratos na verdade não existem — disse ele com uma expressão sugestiva.
Eu fiquei em silêncio, esperando a explicação.
— Ratos não têm nome. Ninguém chama por um rato. Vocês nos matam, mas depois reaparecemos como se fôssemos sempre os mesmos ratos. Ninguém nos conhece o rosto. Vocês nos esmagam, nos envenenam e quando surgem novos é como se não houvesse diferença alguma entre o corpo esmagado e o corpo vivo que tenta fugir.
Depois de uma curta pausa, continuou:
— Afinal, se você existe ou não, consiste num fato? Quer dizer, existem tantos como você que não faz diferença se o seu corpo está esmagado ou inteiro, é sempre como o mesmo corpo que você é visto. Você é um pouco menos que um número... Você faz parte de um número, mas se você não existisse, o número ainda existiria.
Quando dei por mim estavam tentando me esmagar com vassouras e então eu entrei no esgoto para fugir.
sábado, 1 de setembro de 2012
Canção
Lá fora é terça-feira
Nem festa nem tristeza
Espero cresça entre dentro tanto em nós
Algo que meça imensa densa calma paz
Aqui canta a fantasia
Onde o real se realça
E me lança nessa ideia fresta onde entra luz
Enlaça sua mão na minha como quem diz
Eu sou feliz
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