quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

OS RATOS


O que faz o sábio? Resigna-se a ver, a comer etc..., aceita a despeito de si
mesmo essa “chaga de nove aberturas” que é o corpo segundo o Bhagavad-Gita. A sabedoria? Sofrer dignamente a humilhação que nos infligem nossos buracos.
(Emil Cioran)


Os ratos entrando
Por nove buracos
Rasgando mucosas

Os ratos comendo
Roendo o detrito
Orgânico
Rosa

Os ratos cavando
Suas próprias covas
Amando nas alcovas

Os ratos mulatos
Posando em retratos
Caindo nas
Fossas

Os ratos saindo
Nas ruas escuras
Por nove ventosas

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

MEU NOME É LEGIÃO

Não tenho apenas frente e verso
Não sou só côncavo e convexo
Não me circunscrevo a uma só razão

Vivo entre a sombra e o reflexo
Sou corpo frágil, mas concreto
Carne viva em contínua pulsação

Sujeito múltiplo e complexo
Não encerro só dois sexos
Não tateio o mundo só com duas mãos

A pele em que me manifesto
Direito e avesso e avesso e avesso e avesso
Transpira entre a multidão

Não caibo dentro do que meço
Encolho, cresço, atravesso
Corpo negro em eterna expansão

Explodo feito um universo
Destruo depois recomeço
Sou quando o sim engole o não

Me matam, mas eu nunca cesso
Me fecham mas eu sou aberto
E só eles não passarão

Me matam, mas eu nunca cesso
Me fecham mas eu sou aberto
E só eles não passarão

Porque meu nome é legião

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

A NOITE


a noite (a noite tropical),
como o sol,
também queima nossa pele.

quem tem olhos de gato 
pode ver o rastro
do céu escuro
na pele dos notívagos.

***

as feras caçam em silêncio
e sua vertigem é imóvel
a noite é selvagem e calada
e civilização nenhuma apagará
o cinema preto da sua pele
a boca suja de sangue e sexo não fala
ela quer rasgar a carne da linguagem

SUSSUARANINFA

corpo sem órgãos
máquina desejante
flertando novos
acoplamentos
o rosto da sussuaraninfa
é uma voragem
contra a rostidade
a boca proferidora
e devoradora xamã
chama o futuro
come a distopia

PROPOSTA PARA UMA SEMANA DE DESLUMBRAMENTOS OU TYDEN DIVU

viveremos um amor breve intenso artístico
faremos filmes música poesia
potencializados pela energia sexual

tudo o que dissermos será delírio
criação vertigem ampliação da percepção

nossas imagens se multiplicarão nas telas

nos tornaremos doces bárbaros
destruiremos a subjetividade do homem branco
destruiremos em nós a subjetividade do homem branco
prepararemos armadilhas líricas contra o homem branco

e voltaremos aos nossos mundos mais fortes mais lânguidos
mais selvagens mais cibernéticos
com novas conexões neuronais

ARTESÃ ou O HOMÚNCULO

Depois de me arrancar do barro sem forma
E me moldar com mãos severas de oleiro
E educar meu gozo no seu leito

Depois de hipnotizar a terracota
Coagular o albúmen de meu sêmen
E tatuar minha tez com o sinal do golem

Depois de me trincar a asa torta
Puir com a espuma dos dias a argila
E esfarelar-me a pele quebradiça

Você despreza agora a sua obra
(Mais morta quanto mais você retoca
Com a máscara dessa têmpera diáfana)
E bebe o vinho na boca de outra ânfora

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

PORTAS ABERTAS

Ninguém nesse mundo é imune
Ciúme é um sentimento natural
Malgrado algum sofrimento, eu não lamento
Pois a liberdade nos une
Bem mais que as algemas e grades
Que a sociedade considera normal

Não quero causar ressentimentos
Fazendo mil perguntas indiscretas
Se você for demorar, tudo bem, não importa
Leve a chave do apartamento
E se de madrugada me encontrar dormindo entre, está destrancada e sempre aberta
A porta do nosso relacionamento

Há muitas formas de amor
Há tanta gente pra amar
Não há porque te privar do prazer ou da dor
Que às vezes eu não te dou

Ninguém nesse mundo é imune
Ciúme é inevitável aflição
Às vezes me sinto inseguro, apesar do discurso
Por isso nem sinto o perfume
Que outros abraços te emprestam
De outros braços que infestam minha imaginação

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

EU SOU UM BICHO ESQUISITO

Eu sou um bicho esquisito
Tudo o que eu faço me mata
Eu por exemplo respiro

Aos poucos me intoxico
Eu sou um bicho esquito
Tudo que eu como me mata
Eu sou um bicho esquisito
Eu por exemplo respiro
Eu por exemplo respiro

Que criatura mais fraca
Porque tudo me adoece
Uma cidade que cresce

Que cresce em mim e se espalha
Como petróleo na água
Todo dia eu bebo água
Eu sou um bicho esquito
Eu por exemplo respiro
Eu por exemplo respiro