quinta-feira, 19 de novembro de 2015
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
Minha tese é esta:
Uma vez que se admita um único símbolo, estamos abrindo a brecha pela qual Deus vai passar. É por isso que não posso conceber uma metafísica isolada da política. Se admito a inexistência dos deuses, estou automaticamente abdicando do universo simbólico do qual eles fazem parte. Se eu assumo a prática dos símbolos, admito os deuses como um símbolo a mais.
Um símbolo é necessariamente falso, uma vez que ele é um objeto, um gesto, um som, que representa outra coisa que ele não é. Falso, porém genuíno, já que se acredita nele. Se se admite um objeto falso qualquer, por que não admitir a existência de Deus, igualmente falso, mas igualmente genuíno?
Pode-se fazer a objeção: esse raciocínio também acarreta na existência de unicórnios, de Hércules e do Super Homem. Sim, estou num beco sem saída. A única saída é não admitir os símbolos, incluindo a linguagem e certa parcela da arte.
Uma vez que se admita um único símbolo, estamos abrindo a brecha pela qual Deus vai passar. É por isso que não posso conceber uma metafísica isolada da política. Se admito a inexistência dos deuses, estou automaticamente abdicando do universo simbólico do qual eles fazem parte. Se eu assumo a prática dos símbolos, admito os deuses como um símbolo a mais.
Um símbolo é necessariamente falso, uma vez que ele é um objeto, um gesto, um som, que representa outra coisa que ele não é. Falso, porém genuíno, já que se acredita nele. Se se admite um objeto falso qualquer, por que não admitir a existência de Deus, igualmente falso, mas igualmente genuíno?
Pode-se fazer a objeção: esse raciocínio também acarreta na existência de unicórnios, de Hércules e do Super Homem. Sim, estou num beco sem saída. A única saída é não admitir os símbolos, incluindo a linguagem e certa parcela da arte.
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
EMIL CIORAN: Silogismos da amargura
Uma seleção de alguns aforismos de Emil Cioran, retirados do seu Silogismos da Amargura.
1. Desconfie dos que dão as costas ao amor, à ambição, à sociedade. Se vingarão
por haver renunciado a isso.
2. A história das idéias é a história do rancor dos solitários.
3. O inferno — tão exato como um atestado.
O purgatório — falso como toda alusão ao Céu.
O paraíso — mostruário de ficções e de insipidezes...
A trilogia de Dante constitui a mais alta reabilitação do diabo empreendida por
um cristão.
4. Fracassar na vida é ter acesso à poesia — sem o suporte do talento.
5. Ser um Raskolnikov — sem a desculpa do homicídio.
6. Modelos de estilo: a praga, o telegrama e o epitáfio.
7. Aquele que, possuindo os rudimentos da misantropia, quiser aperfeiçoar-se nela,
deve freqüentar a escola de Swift: aprenderá assim a dar a seu desprezo pelos homens a
intensidade de uma nevralgia.
8. Que uma realidade se oculte atrás das aparências é, em todo caso, possível; que a
linguagem possa reproduzi-la, seria ridículo esperar. Por que, então, adotar uma opinião
em lugar de outra, recuar ante o banal ou o inconcebível, ante o dever de dizer ou
escrever qualquer coisa? Um mínimo de sabedoria nos obrigaria a defender todas as
teses ao mesmo tempo, em um ecletismo do sorriso e da destruição
9. O que faz o sábio? Resigna-se a ver, a comer etc..., aceita a despeito de si
mesmo essa “chaga de nove aberturas” que é o corpo segundo o Bhagavad-Gita. A
sabedoria? Sofrer dignamente a humilhação que nos infligem nossos buracos.
10. O melhor de mim mesmo, este fiapo de luz que me afasta de tudo, devo a
minhas raras conversas com alguns canalhas amargos, canalhas inconsoláveis que,
vítimas do rigor de seu cinismo, não poderiam mais se dedicar a nenhum vício.
11. Dever da lucidez: alcançar um desespero correto, uma ferocidade apolínea.
12. No apogeu de nosso nojo, um rato parece ter se infiltrado em nosso cérebro para
sonhar em seu interior.
13. Não foram os preceitos do estoicismo que nos mostraram a utilidade das afrontas
ou a sedução das desgraças. Os manuais de insensibilidade são demasiado sensatos. E
se, ao contrário, todos fizéssemos a nossa experiência de mendigos! Vestir-se com
farrapos, instalar-se em uma esquina, estender a mão aos transeuntes, suportar o seu
desprezo ou agradecer a sua esmola, que disciplina! Ou sair na rua, insultar
desconhecidos, fazer-se esbofetear...
Durante muito tempo freqüentei os tribunais apenas com o objetivo de
contemplar os reincidentes, sua superioridade sobre as leis, sua presteza em degradar-se.
E no entanto parecem pobres miseráveis comparados às prostitutas, à desenvoltura que
estas mostram frente ao tribunal. Tanta indiferença desconcerta: nenhum amor-próprio,
as injúrias não as fazem sangrar, nenhum adjetivo as fere. Seu cinismo é a forma de sua
honestidade. Uma jovem de 17 anos, majestosamente horrorosa, replica ao juiz que
tenta arrancar-lhe a promessa de não voltar a freqüentar os trottoirs: “Não posso
prometer-lhe, senhor juiz.”
Só medimos nossas próprias forças na humilhação. Para nos consolar das
vergonhas que não sofremos, deveríamos infligi-las a nós mesmos, cuspir no espelho
esperando que o público nos honre com a sua saliva. Que Deus nos preserve de um
destino distinto!
14. Ninguém pode conservar sua solidão se não saber fazer-se odioso.
15. Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a idéia do suicídio já teria me
matado há muito tempo.
16. Todos os nossos rancores provêm do fato de havermos ficado abaixo de nossas
possibilidades, sem ter conseguido alcançar a nós mesmos. E isso nunca o perdoaremos
aos outros.
A pior das calúnias é a que visa nossa preguiça, a que contesta sua autenticidade.
17. Quanto as paixões, os acessos da fé, a intolerância me dominam, desceria com
muito gosto à rua para lutar e morrer como militante do Vago, como entusiasta do
Talvez...
18. Não me pergunte mais qual é o meu programa: respirar não é um?
19. Mais que uma reação de defesa, a timidez é uma técnica, aperfeiçoada sem
cessar pela megalomania dos incompreendidos.
20. Chega sempre o momento em que cada um se diz: “Ou Deus ou eu” e se engaja
em um combate do qual ambos saem diminuídos.
21. Só se entregam ao tédio as naturezas eróticas, decepcionadas de antemão pelo
amor.
22. Quem abusaria da sexualidade se não esperasse, nela, perder a razão por um
pouco mais de um segundo, pelo resto de seus dias?
23. Sonho às vezes com um amor longínquo e vaporoso como a esquizofrenia de um
perfume...
24. Sempre pensei que Diógenes havia sofrido, em sua juventude, algum acidente
amoroso: ninguém escolhe a via do sarcasmo sem a ajuda de uma doença venérea ou de
uma mulher intratável.
25. Há façanhas que só perdoamos a nós mesmos: se imaginássemos os outros no
ponto culminante de certo grunhido, nos seria impossível tornar a estender-lhes a mão.
26. A carne é incompatível com a caridade: o orgasmo transformaria um santo em
lobo.
27. Após as metáforas, a farmácia. Assim desmoronam os grandes sentimentos.
Começar poeta e acabar ginecologista! De todas as condições, a menos invejável
é a de amante.
28. Na volúpia, como no pânico, voltamos a nossas origens; o chimpanzé,
injustamente relegado, alcança finalmente a glória — o instante de um grito.
29. Duas vias se oferecem ao homem e à mulher: a ferocidade ou a indiferença.
Tudo indica que tomarão a segunda, que entre eles não haverá nem ajuste de contas nem
ruptura, mas que continuarão se afastando um do outro, que a pederastia e o onanismo,
propostos nas escolas e nos templos, alcançarão as massas, que um monte de vícios
abolidos serão de novo vigentes, e que procedimentos científicos substituirão o
rendimento do espasmo e a maldição do casal.
30. Quando nem sequer a música é capaz de salvar-nos, um punhal brilha em nossos
olhos; nada mais nos sustenta, a não ser a fascinação do crime.
31. As ações brilhantes são próprias de povos que, alheios ao prazer de demorar-se à
mesa, ignoram a poesia da sobremesa e as melancolias da digestão.
32. Sem a sede do ridículo, o gênero humano teria durado mais de uma geração?
33. A história é indefensável. É preciso reagir em relação a ela com a inflexível
abulia do cínico; ou então, pensar como todo mundo, caminhar com a turba dos
rebeldes, dos assassinos e dos crentes.
34. Se não tivéssemos a faculdade de exagerar os nossos males, nos seria impossível
suportá-los. Atribuindo-lhes proporções inusitadas, nos consideramos condenados
escolhidos, eleitos às avessas, lisonjeados e estimulados pela desgraça...
Felizmente, em cada um de nós existe um fanfarrão do Incurável.
35. Quando Ésquilo ou Tácito lhe pareçam demasiado mornos, abram uma Vida dos
insetos — revelação de raiva e de inutilidade, inferno que, para nossa sorte, não terá
nunca dramaturgo nem cronista. O que restaria de nossas tragédias se um bichinho
letrado nos mostrasse as suas?
36. Minha avidez de agonias me fez morrer tantas vezes que me parece indecente
abusar ainda de um cadáver do qual já não posso extrair nada.
37. Quem teme perder sua melancolia, quem tem medo de curar-se dela, com que
alívio constata que seus temores são infundados, que ela é incurável...
38. Assisto, aterrorizado, à diminuição de meu ódio pelos homens, ao
enfraquecimento do último vínculo que me unia a eles.
39. Para um jovem ambicioso, não há maior desgraça do que conviver com
conhecedores do gênero humano. Conheci três ou quatro: eles me acabaram aos vinte
anos.
40. Quando esgotamos os pretextos que incitam à alegria ou à tristeza, conseguimos
vivê-las, ambas, em estado puro: nos igualamos assim aos loucos...
41. Só enlouquecem os tagarelas e os taciturnos: os que se esvaziam de todo
mistério e os que o acumulam demasiado.
42. No pavor — megalomania às avessas — nos transformamos no centro de um
turbilhão universal, enquanto os astros fazem piruetas à nossa volta.
43. Por não haver sabido celebrar o aborto ou legalizar o canibalismo, as sociedades
modernas deverão resolver seus problemas através de procedimentos muito mais
expeditivos.
44. Os meditativos e os carnais: Pascal e Tolstoi. Interessar-se pela morte ou detestá-
la, descobri-la pelo espírito ou pela fisiologia. Com instintos minados, Pascal superou as
suas inquietações, enquanto que Tolstoi, furioso de ter que perecer, lembra um elefante
espavorido, uma selva devastada. Não se pode meditar nos equadores do sangue.
45. Aquele que, por descuidos sucessivos, esqueceu de matar-se, dá a si mesmo a
impressão de um veterano da dor, de um aposentado do suicídio.
46. Concentrado no drama das glândulas, atento às confidências das mucosas, o
Nojo nos transforma em fisiologistas
47. Se o sangue não tivesse um gosto insípido, o asceta se definiria por sua repulsa
ao vampirismo.
48. Quem não conheceu a humilhação ignora o que é chegar ao último grau de si
mesmo.
49. Queiramos ou não, somos todos psicanalistas, amantes dos mistérios do coração
e das cuecas, escafandristas do horror. Ai do espírito de abismos claros!
50. Quanto mais convivemos com os homens, mais nossos pensamentos se
obscurecem; e quando, para aclará-los, voltamos à nossa solidão, encontramos nela a
sombra que eles projetaram.
1. Desconfie dos que dão as costas ao amor, à ambição, à sociedade. Se vingarão
por haver renunciado a isso.
2. A história das idéias é a história do rancor dos solitários.
3. O inferno — tão exato como um atestado.
O purgatório — falso como toda alusão ao Céu.
O paraíso — mostruário de ficções e de insipidezes...
A trilogia de Dante constitui a mais alta reabilitação do diabo empreendida por
um cristão.
4. Fracassar na vida é ter acesso à poesia — sem o suporte do talento.
5. Ser um Raskolnikov — sem a desculpa do homicídio.
6. Modelos de estilo: a praga, o telegrama e o epitáfio.
7. Aquele que, possuindo os rudimentos da misantropia, quiser aperfeiçoar-se nela,
deve freqüentar a escola de Swift: aprenderá assim a dar a seu desprezo pelos homens a
intensidade de uma nevralgia.
8. Que uma realidade se oculte atrás das aparências é, em todo caso, possível; que a
linguagem possa reproduzi-la, seria ridículo esperar. Por que, então, adotar uma opinião
em lugar de outra, recuar ante o banal ou o inconcebível, ante o dever de dizer ou
escrever qualquer coisa? Um mínimo de sabedoria nos obrigaria a defender todas as
teses ao mesmo tempo, em um ecletismo do sorriso e da destruição
9. O que faz o sábio? Resigna-se a ver, a comer etc..., aceita a despeito de si
mesmo essa “chaga de nove aberturas” que é o corpo segundo o Bhagavad-Gita. A
sabedoria? Sofrer dignamente a humilhação que nos infligem nossos buracos.
10. O melhor de mim mesmo, este fiapo de luz que me afasta de tudo, devo a
minhas raras conversas com alguns canalhas amargos, canalhas inconsoláveis que,
vítimas do rigor de seu cinismo, não poderiam mais se dedicar a nenhum vício.
11. Dever da lucidez: alcançar um desespero correto, uma ferocidade apolínea.
12. No apogeu de nosso nojo, um rato parece ter se infiltrado em nosso cérebro para
sonhar em seu interior.
13. Não foram os preceitos do estoicismo que nos mostraram a utilidade das afrontas
ou a sedução das desgraças. Os manuais de insensibilidade são demasiado sensatos. E
se, ao contrário, todos fizéssemos a nossa experiência de mendigos! Vestir-se com
farrapos, instalar-se em uma esquina, estender a mão aos transeuntes, suportar o seu
desprezo ou agradecer a sua esmola, que disciplina! Ou sair na rua, insultar
desconhecidos, fazer-se esbofetear...
Durante muito tempo freqüentei os tribunais apenas com o objetivo de
contemplar os reincidentes, sua superioridade sobre as leis, sua presteza em degradar-se.
E no entanto parecem pobres miseráveis comparados às prostitutas, à desenvoltura que
estas mostram frente ao tribunal. Tanta indiferença desconcerta: nenhum amor-próprio,
as injúrias não as fazem sangrar, nenhum adjetivo as fere. Seu cinismo é a forma de sua
honestidade. Uma jovem de 17 anos, majestosamente horrorosa, replica ao juiz que
tenta arrancar-lhe a promessa de não voltar a freqüentar os trottoirs: “Não posso
prometer-lhe, senhor juiz.”
Só medimos nossas próprias forças na humilhação. Para nos consolar das
vergonhas que não sofremos, deveríamos infligi-las a nós mesmos, cuspir no espelho
esperando que o público nos honre com a sua saliva. Que Deus nos preserve de um
destino distinto!
14. Ninguém pode conservar sua solidão se não saber fazer-se odioso.
15. Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a idéia do suicídio já teria me
matado há muito tempo.
16. Todos os nossos rancores provêm do fato de havermos ficado abaixo de nossas
possibilidades, sem ter conseguido alcançar a nós mesmos. E isso nunca o perdoaremos
aos outros.
A pior das calúnias é a que visa nossa preguiça, a que contesta sua autenticidade.
17. Quanto as paixões, os acessos da fé, a intolerância me dominam, desceria com
muito gosto à rua para lutar e morrer como militante do Vago, como entusiasta do
Talvez...
18. Não me pergunte mais qual é o meu programa: respirar não é um?
19. Mais que uma reação de defesa, a timidez é uma técnica, aperfeiçoada sem
cessar pela megalomania dos incompreendidos.
20. Chega sempre o momento em que cada um se diz: “Ou Deus ou eu” e se engaja
em um combate do qual ambos saem diminuídos.
21. Só se entregam ao tédio as naturezas eróticas, decepcionadas de antemão pelo
amor.
22. Quem abusaria da sexualidade se não esperasse, nela, perder a razão por um
pouco mais de um segundo, pelo resto de seus dias?
23. Sonho às vezes com um amor longínquo e vaporoso como a esquizofrenia de um
perfume...
24. Sempre pensei que Diógenes havia sofrido, em sua juventude, algum acidente
amoroso: ninguém escolhe a via do sarcasmo sem a ajuda de uma doença venérea ou de
uma mulher intratável.
25. Há façanhas que só perdoamos a nós mesmos: se imaginássemos os outros no
ponto culminante de certo grunhido, nos seria impossível tornar a estender-lhes a mão.
26. A carne é incompatível com a caridade: o orgasmo transformaria um santo em
lobo.
27. Após as metáforas, a farmácia. Assim desmoronam os grandes sentimentos.
Começar poeta e acabar ginecologista! De todas as condições, a menos invejável
é a de amante.
28. Na volúpia, como no pânico, voltamos a nossas origens; o chimpanzé,
injustamente relegado, alcança finalmente a glória — o instante de um grito.
29. Duas vias se oferecem ao homem e à mulher: a ferocidade ou a indiferença.
Tudo indica que tomarão a segunda, que entre eles não haverá nem ajuste de contas nem
ruptura, mas que continuarão se afastando um do outro, que a pederastia e o onanismo,
propostos nas escolas e nos templos, alcançarão as massas, que um monte de vícios
abolidos serão de novo vigentes, e que procedimentos científicos substituirão o
rendimento do espasmo e a maldição do casal.
30. Quando nem sequer a música é capaz de salvar-nos, um punhal brilha em nossos
olhos; nada mais nos sustenta, a não ser a fascinação do crime.
31. As ações brilhantes são próprias de povos que, alheios ao prazer de demorar-se à
mesa, ignoram a poesia da sobremesa e as melancolias da digestão.
32. Sem a sede do ridículo, o gênero humano teria durado mais de uma geração?
33. A história é indefensável. É preciso reagir em relação a ela com a inflexível
abulia do cínico; ou então, pensar como todo mundo, caminhar com a turba dos
rebeldes, dos assassinos e dos crentes.
34. Se não tivéssemos a faculdade de exagerar os nossos males, nos seria impossível
suportá-los. Atribuindo-lhes proporções inusitadas, nos consideramos condenados
escolhidos, eleitos às avessas, lisonjeados e estimulados pela desgraça...
Felizmente, em cada um de nós existe um fanfarrão do Incurável.
35. Quando Ésquilo ou Tácito lhe pareçam demasiado mornos, abram uma Vida dos
insetos — revelação de raiva e de inutilidade, inferno que, para nossa sorte, não terá
nunca dramaturgo nem cronista. O que restaria de nossas tragédias se um bichinho
letrado nos mostrasse as suas?
36. Minha avidez de agonias me fez morrer tantas vezes que me parece indecente
abusar ainda de um cadáver do qual já não posso extrair nada.
37. Quem teme perder sua melancolia, quem tem medo de curar-se dela, com que
alívio constata que seus temores são infundados, que ela é incurável...
38. Assisto, aterrorizado, à diminuição de meu ódio pelos homens, ao
enfraquecimento do último vínculo que me unia a eles.
39. Para um jovem ambicioso, não há maior desgraça do que conviver com
conhecedores do gênero humano. Conheci três ou quatro: eles me acabaram aos vinte
anos.
40. Quando esgotamos os pretextos que incitam à alegria ou à tristeza, conseguimos
vivê-las, ambas, em estado puro: nos igualamos assim aos loucos...
41. Só enlouquecem os tagarelas e os taciturnos: os que se esvaziam de todo
mistério e os que o acumulam demasiado.
42. No pavor — megalomania às avessas — nos transformamos no centro de um
turbilhão universal, enquanto os astros fazem piruetas à nossa volta.
43. Por não haver sabido celebrar o aborto ou legalizar o canibalismo, as sociedades
modernas deverão resolver seus problemas através de procedimentos muito mais
expeditivos.
44. Os meditativos e os carnais: Pascal e Tolstoi. Interessar-se pela morte ou detestá-
la, descobri-la pelo espírito ou pela fisiologia. Com instintos minados, Pascal superou as
suas inquietações, enquanto que Tolstoi, furioso de ter que perecer, lembra um elefante
espavorido, uma selva devastada. Não se pode meditar nos equadores do sangue.
45. Aquele que, por descuidos sucessivos, esqueceu de matar-se, dá a si mesmo a
impressão de um veterano da dor, de um aposentado do suicídio.
46. Concentrado no drama das glândulas, atento às confidências das mucosas, o
Nojo nos transforma em fisiologistas
47. Se o sangue não tivesse um gosto insípido, o asceta se definiria por sua repulsa
ao vampirismo.
48. Quem não conheceu a humilhação ignora o que é chegar ao último grau de si
mesmo.
49. Queiramos ou não, somos todos psicanalistas, amantes dos mistérios do coração
e das cuecas, escafandristas do horror. Ai do espírito de abismos claros!
50. Quanto mais convivemos com os homens, mais nossos pensamentos se
obscurecem; e quando, para aclará-los, voltamos à nossa solidão, encontramos nela a
sombra que eles projetaram.
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