segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Lixo lógico

Não sei quem disse que a Tropicália foi o movimento para acabar com todos o movimentos, mas é uma afirmação completamente certa. Tão certa que ela acabou até consigo própria enquanto movimento, não suportou o paradoxo. Além de antropofágica foi autofágica. Durou apenas o momento de uma explosão e logo se desvaneceu. No entanto, sobrevive ainda hoje, com todo o vigor. Mas não mais em condição de movimento: o que dá tanta força à Tropicália para fazê-la sempre se manter tão jovem e presente é que de movimento ela se tornou uma atitude.

Se para ser um movimento é preciso que exista coesão, definição estética, para uma ser atitude não. Basta apenas algum grau de unidade ideológica. A atitude tropicalista é a de se alimentar do presente. Pegar todas as sobras da cultura pop, popular, de massa, erudita, todo o "lixo lógico" e reconstruir, compor, dispor, sobrepor ou justapor. Dentro dessa atitude, dois nomes centrais despontam: Tom Zé e Caetano Veloso. Dois exemplares da Tropicália que provam que ela continua muito viva.

Na obra de ambos está presente o diálogo entre a cultura de massa e a erudita, entre o modismo,a tradição e a vanguarda, entre o brega e o belo. Em Tom Zé, esse diálogo acontece de forma complexa, em obras de alta elaboração conceitual e formal, numa linguagem que vai se tornando mais pessoal e peculiar ao longo da carreira. Ele desconstrói todo o material recebido, — todo o "lixo lógico", como é chamado em seu último disco — para reconstruí-lo sob o seu prisma, interferindo, questionando, comentando, tirando sarro. "Complexo de Épico" traduz bem a sua postura no momento em que ele diz: "Vou brincar de ser sério:/ Roda a roda", numa clara referência à música de Chico Buarque. Ou, em seu último disco, na escolha dos convidados, todos cantores da nova safra da MPB, que ele apadrinha, mas não sem alguma ironia.

Caetano por sua vez, trabalha, sobretudo com a cultura de massa. Ele nos joga num caleidoscópio de referências, citações e releituras, dando uma significação particular para aquilo que era apenas um fenômeno de massa. Seu principal material é o presente, a moda, de onde ele faz recortes que evidenciam sua visão crítica. Nesse sentido, sua obra se aproxima da Andy Warhol.  Em sua obra, muito mais que na de qualquer outro, se questiona o valor do gosto, isto é, o que é belo e o que não é: Caetano faz versões de fenômenos de massa ao mesmo tempo em que musica poemas concretos ou grava versões de músicas refinadíssimas. Da mesma forma, Andy Warhol, com sua pop art  questiona o valor da arte, do que é arte e do que é produto de massa. O que é profundo ou original e o que não é?

A Tropicália é uma questão viva sobre o rumo que a arte deve tomar.

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