Luís agora escrevia uma crônica. Ia mandar pro jornal local pra pagar as despesas de sua hospedagem. Precisam gostar do que ele escrevia, eu sei, mas eles sempre gostam.
Sentado em um boteco qualquer, pediu um cigarro e uma água da torneira pois só tinham café pingado, refrigerante e cerveja no cardápio. Enquanto pitava, na mesa ao lado, o boca suja do metrô comia um sanduíche com bastante maionese e catchup, acompanhado de uma Coca-Cola Ks. Luís se virou para ele e disse:
— Boca suja literalmente!
E ele levantando da cadeira retrucou:
— Vá se foder quatro olhos!
Riram os dois.
Dinheiro na mão, despediu-se do João Bocão — apelido carinhoso dado por Luís — e pegou um ônibus pra Maceió.
A 1 ano, escrevia uma peça sobre poetas atletas. Durante a viagem, terminara.
Quando estava no boteco, João Frade — sim, era o seu nome: sua mãe ouvira alguém falar de Freud quando trabalhava de servente em uma clínica de psicologia — e João trocaram agora prosa. Descobrindo a coincidência do parentesco, e sabendo da falta de teto de Luís, João o convidou a se hospedar em sua casa.
Em Maceió, Luís sempre levava em sua mochilha 3 peças de roupa, seu notebook, comida e uma gravata — uma das peças de roupa era um terno. Nunca sabia quando poderia ser-lhe útil. Nunca tinha ido à Alagoas. Calmaria total. Povo alegre e acolhedor. Ficou 1 semana e 3 dias em um hotel simples, pois escrevera um horóscopo para um mês inteiro. O jornal queria contratá-lo, com salário fixo. Recusou. Não acreditava no que escreveu.
Ia agora pro Distrito Federal; um parente conhecido o esperava. O teatro local interessara-se por "Poetas Atletas". Os ensaios vão começar em Junho - 1 mês depois de ter mandado seu roteiro à companhia de teatro de Brasília - junto com a seleção do elenco. A caminho de Brasília, quando o ônibus fez uma parada, entrou numa lanchonete de estrada, pediu um cigarro e um suco de laranja — laranjas são saudáveis — e do seu lado, um homem sujo, baixo, roupa rasgada, barba na cara, faltando dentes, exalando álcool, com um violão nas costas, pedia um copo d'água para a garçonete. Ofereceu-lhe 50 reais no instrumento. E com um sorriso amarelo e humilde no rosto disse:
— A música move a vida, nutre a alma e é com ela que sobrevivo. Não vendo, não troco e não empresto! E digo mais, estou fazendo um show agorinha mesmo! Se quiser assistir, é só ir lá fora. Vim só limpar as cordas vocais.
Interessado com o acontecido, Luís pagou o seu suco, e em frente a lanchonete lá estava a diferente figura, soltando a voz e impressionando a quem passava, tocando Beatles. Do seu lado, como de praxe, um chapéu continha algumas pratinhas e até uma nota de dois reais. Quando passou por ele, jogou os 50. Quando o ônibus começou a andar, Luís quis saltar da janela. Apesar de não ser muito apegado a dinh... Eram 50 reais porra! Que animal.
Em Brasília, comprou um violão. E a primeira música que aprendeu a tocar, foi "Parabéns pra Você" — com muita dificuldade — quem ensinou era seu primo Carlos Piá — também não sabia tocar de verdade, mas fez 4 meses de aula e desistiu — que colecionava cartões telefônicos.
Na estréia de Poetas Atletas, a casa estava cheia.
Com o dinheiro da noite, foi pra Florianópolis.
Aprendeu uma música dos Beatles; a mesma que o sujeito da estrada tocou.
Compôs uma música. Simples. Mas era sua primeira rima.
Agora, tinha de recuperar seus 50 reais.
Um conto do meu amigo, Daniel Tamietti.
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