Encontrei, guardado aqui em casa, esse pequeno texto de apresentação de uma exposição de Fevereiro de 2020. É interessante a noção de programa que ele descreve sinteticamente e que, para mim, se relaciona com a maneira como Vilém Flusser a trata em Filosofia da fotografia.
A mostra Imaginações Químicas apresenta um recorte da produção visual do artista Dirceu Marques, mas representa também, paradigmaticamente, parte de sua pesquisa de doutorado no PPG-Artes EBA/UFMG (bolsista Fapemig) relacionada com o dispositivo fotográfico. Mais do que pintar com químicos sobre papéis fotossensíveis, mais do que questionar os limites entre pintura e fotografia, sua pesquisa tensiona os limites entre programa e imagem. Hoje, no contexto da cultura digital, se tornou costumeiro pensar a noção de programa como pertencente ao universo binário dos protocolos de programação computacional. Obviamente, trata-se ali de uma noção redutora da ideia de programa. Uma receita de cozinha, as regras de um jogo, uma linha de montagem também são programas e programações. E tanto programas quanto programações podem ser subvertidos, interferidos, aproveitados para outros fins, etc. O dispositivo é feito para operar univocamente, programado para certos procedimentos, resultados e fins, mas ele pode ser reprogramado e reconfigurado.
Mexer, reorientar, reutilizar o programa fotossensível próprio dos materiais da fotografia de base química é também mexer com códigos e programas culturais, e com os protocolos formais da imagem resultante. Gêneros ("paisagem", "retrato"), códigos estilísticos (o dark, o apocalíptico a que remetem os universos representados) e fronteiras técnicas (fotografia, pintura, desenho, gravura, etc.) são evocados aqui, porém eles também são colocados em suspenso e submetidos a outras lógicas e reprogramações.
O Espaço f sublinha com esta mostra o seu caráter de laboratório: literalmente falando, a mostra foi produzida no laboratório fotográfico adjacente ao espaço expositivo, mas ela também foi produzida no laboratório de pensamento crítico que constitui a pós-graduação, a universidade e a verdadeira educação como um todo: lugar de questionamentos e tensionamentos dos protocolos, programas que nos regem mas que também produzimos e impomos constantemente, na vida, na imagem, no dia a dia das nossas programações e reprogramações cotidianas.
Prof. Adolfo CifuentesCoordenador Espaço f, Espaço de Exposições na Área da FotografiaFTC/EBA/UFMG