terça-feira, 13 de dezembro de 2016
ANTÓNIO LOBO ANTUNES - FRAGMENTO DE "MEMÓRIA DE ELEFANTE"
"Os olhos desolados da mulher perseguiam-no pelos degraus abaixo: afastavam-se um do outro como se haviam aproximado, treze anos antes, num desses agostos de praia feitos de aspirações confusas e de beijos aflitos, no mesmo turbilhonante e ardente refluxo de maré. O corpo dela permanecia jovem e leve apesar dos partos, e o rosto mantinha intactos a pureza dos malares e o nariz perfeito de uma adolescência triunfal: junto dessa beleza esguia de Giacometti maquilhado achava-se sempre desajeitado e tosco no seu invólucro que começava a amarelecer de um outono sem graça. Havia alturas em que lhe parecia injusto tocá-la, como se o contacto dos seus dedos despertasse nela um sofrimento sem razão. E perdia-se entre os seus joelhos, afogado de amor, a gaguejar as palavras de ternura de um dialecto inventado".
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