segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Tipos 1 - Colecionador de cigarros

Perdoe-me a linguagem literária, mas não tenho hábito de falar como uma pessoa comum, quero dizer, no linguajar oral. Perdoe-me também por ser um homem tão estranho, alguns diriam até excêntrico. Creio que hoje há outros como eu nessa capital. Malgrado esses defeitos, me considero um homem inteligente, diria até, um pouco mais que a maioria. Mas nada disso tem importância. Isto também é um defeito meu: tenho um acentuado gosto por coisas insignificantes. Mas, se me permite devanear um pouco, nada no mundo tem importância alguma, logo, esse acentuado gosto por coisas desimportantes não é defeito só meu.

Sou um homem de 28 anos, vivendo num apartamento alugado em São Paulo. Estou mentindo: na verdade, tenho 27 anos e moro no Brooklin. Pouco mudaria se eu tivesse 30 e morasse num bairro de Petersburgo. Sou um homem insignificante e nunca serei ou quererei ser ou poderei querer ser mais do que isso. (O mal dos homens é pensar que são mais que isso). Eu agora daria um viva a Fernando Pessoa, se ele fosse alguma coisa.

Eu não fumo, mas tenho uma curiosa mania: comprar cigarros para guardá-los. Meu apartamento tem muitos cigarros. Conheço as marcas, os aromas e toda a diversidade dos cigarros. Há cigarros de filtro branco, de filtro bege. Há os com aroma de cravo, de menta, de cereja... E, igualmente, eu conheço os consumidores de cigarro. Analiso seu comportamento como uma criança curiosa analisa um formigueiro. Posso reconhecê-los pelos dentes, pelos dedos (o indicador e o médio do fumante são acostumados à posição típica de se segurar o cigarro entre eles e esse é um gesto que, aliás, guarda algo de profundo ou de erótico, mas não me ocuparei com isso agora), pelos olhos, pelo cheiro. Conheço as peculiaridades da sua voz... E você ri do que digo! Afirma que tudo não passa de tolices! E eu também rio, meu caro. Até agora eu só fui capaz de dizer tolices. Contudo, não posso dizer que eu não tenha dito alguma verdade, ainda que tola. Sim, pois não vejo nenhuma necessidade de que haja inteligência na Verdade. Aliás, a Verdade nunca é inteligente.

O fato é que, já há algum tempo, tenho me sentido um tanto perturbado. Lembrei-me esses dias de um acontecimento quase insignificante da adolescência. Certa vez, uma colega de escola pediu para que eu carregasse sua mochila até a sala de aula. Embora eu estivesse carregando já um considerável peso, levei a mochila — devo explicar que ela não passava por absolutamente nenhuma situação extracomum. Bem... é esse o acontecimento. E, por estranho que pareça, ele tem me perturbado. Me sinto ofendido por ter sido o alvo dessa vingança. Ora, pois não vejo senão uma vingança naquele ato. Uma vingança! Ou pelo menos uma perversão. Você não acha que usar seu poder sobre outra pessoa é perversão? (E que poder ela tinha sobre mim? Teoricamente, nenhum, porém eu tinha uma personalidade débil e isso tornava-me um subordinado de qualquer vontade mais forte que a minha). Mas, me diga, não estamos sendo perversos quase o tempo todo? Repito: nada do que digo tem importância alguma e já não tenho paciência para dizer mais nada.

Paciência. Nela jaz a virtude do viver.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O tio

                  — Tio, por que está com os pulsos enfaixados? — Era um jantar em família: os dois irmãos, um adolescente, outro pequeno, seus pais e o tio.
                  — Não incomode seu tio, filho — repreendeu a mãe, perturbada com a situação do irmão, que acabara de receber alta no hospital depois de uma tentativa de suicídio.
                 O jantar prosseguiu em silêncio embaraçoso. 


                 No outro dia, encontraram o corpo pendurado pela gravata.